André Navarro de Noronha, o sócio da Telles de Abreu Advogados responsável pela área de prática Contencioso e Arbitragem, participou no artigo do jornal i sobre o Livro de Reclamações.
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«Grandes escritórios promovem formações para ensinar empresas a lidar com clientes cada vez mais exigentes. Ensinam a ouvir quem tem razão e a ter paciência para os que reclamam por tudo e por nada»Só no primeiro semestre de 2014 houve mais reclamações (60 mil) do que durante todo o ano de 2006 (44 mil). Os consumidores estão mais exigentes e já há empresas a recorrer às maiores sociedades de advogados para saberem como contornar algumas situações. Os funcionários são treinados para lidar com o cliente que, por exemplo, exige a devolução do dinheiro de um par de ténis depois de os colocar na máquina a 60 ºC ou para saber o que fazer quando surge alguém a reclamar só por não simpatizar com o logótipo da marca. Mas as empresas também querem convencer os clientes insatisfeitos a resolver tudo sem recorrer ao livro vermelho.
Mesmo as sociedades de advogados que ainda não deram este tipo de formação estão já a ponderar fazê-lo. "Face ao aumento de situações que se tem vindo a verificar, é um aspecto que temos vindo a avaliar", explicou ao André Navarro de Noronha, Sócio da Telles de Abreu Advogados. O jurista conta ao i que as principais dúvidas que lhes têm chegado "prendem-se essencialmente com os prazos de resposta, a obrigatoriedade do envio da informação para a entidade competente, a conformidade do produto e a garantia ao abrigo da Lei de Protecção do Consumidor"
Mas são vários os escritórios que já cederam à procura e desenvolvem regularmente sessões para as empresas. Querem tirar dúvidas mas também ensinar os funcionários a ouvir. "São frequentemente desenvolvidas acções de formação junto dos nossos clientes, as quais incidem essencialmente sobre os direitos dos consumidores face aos deveres e direitos dos nossos clientes", explicou fonte da PLMJ, uma das maiores sociedades de advogados do país.
E o que se aconselha às empresas é simples: não entregarem o livro de reclamações de mão beijada, sem antes tentarem chegar a um acordo. "Conseguimos imputar aos nossos clientes uma menor passividade no acto da reclamação, através da transmissão de um sentimento de consciência, calma e respeito pela situação [...], através do diálogo e da comunicação entre as partes", diz Navarro de Noronha.
Até porque nem sempre as coisas correm bem quando são apresentadas reclamações. O advogado garante que, se por um lado as autoridades portuguesas "são eficazes" a actuar quando recebem a reclamação, pedindo esclarecimentos à empresa, por outro "são pouco ágeis no que respeita ao desenrolar do processo em si". O jurista está convencido de que actuam de forma "casuística", "pouco metódica" e "bastante morosa". Navarro de Noronha defende ainda que a multiplicidade de entidades torna por vezes difícil saber ao certo qual é a entidade competente para analisar determinados casos: "Existe um grande número de entidades para as mais diversas actividades, o que, muitas vezes, dá azo a confusões."
Muitas outras sociedades de advogados foram contactadas pelo i nos últimos dias para explicarem a sua experiência, mas preferiram não prestar quaisquer esclarecimentos sobre o tema.
EVOLUÇÃO DAS QUEIXAS Desde que foi criado, o livro de reclamações tem tido uma adesão crescente. O ano de 2010 bateu todos os recordes: os portugueses fizeram 206 mil queixas, quando em 2006 apresentaram 44 mil. Desde 2011 o número tem-se fixado na casa dos 120 mil havendo alguma variação. Em 2013, por exemplo, houve quase 128 mil reclamações.
Mas nem só a apresentação de uma queixa é suficiente. É preciso igualmente que o protesto seja bem feito, cumprindo todas as regras. Segundo as estatísticas oficiais, 27,5% das folhas de reclamação recebidas pelas autoridades não estão correctamente preenchidas. A falta dos elementos de identificação da empresa ou do reclamante ou a letra ilegível são os principais problemas.
Mas os erros não vêm apenas do lado dos consumidores. Boa parte das vezes, os prestadores de serviços também não estão devidamente informados, nem fazem qualquer esforço para remediar os seus erros. Para Navarro de Noronha, "a falta de informação é a grande causadora dos maiores obstáculos verificados, pelo que seria muito útil uma campanha de informação sobre este tema, tendo em vista esclarecer devidamente os clientes, mas também as próprias empresas", conclui o advogado.
Como preencher o livro de reclamações?O que deve ter em atenção ao fazer uma reclamação?Segundo dados oficiais, quase um terço das queixas apresentam erros que muitas vezes põem em causa a análise por parte da entidade competente. A reclamação tem de ser escrita a esferográfica e com uma letra legível. Muitas vezes os consumidores têm alguma dificuldade em expressar o motivo pelo qual reclamam e acabam por não ser claros. Tente ser conciso e objectivo. Existem ainda situações em que as reclamações que chegam às autoridades sem a correcta identificação do prestador de serviços e ou do consumidor. Assegure-se de que as folhas de reclamações têm os campos de identificação bem preenchidos. Não use mais que uma folha de reclamações.
Quem é que envia a reclamação para a entidade competente?
A empresa prestadora do serviço tem cinco dias para enviar a sua reclamação à entidade que tutela o sector de actividade. Ainda assim, o consumidor poderá também encaminhar o seu duplicado.
É obrigatório todos os estabelecimentos disporem de livros de reclamação?
Sim, caso lhe seja negado o livro de reclamações chame as autoridades policiais ao local.
A empresa pode exigir que apresente a minha identificação para que me seja possível reclamar?
Não. E caso lhe seja pedida a sua identificação antes, saiba que só a mostra se quiser, uma vez que não podem fazer depender disso a entrega do livro.
O que acontece depois?
A entidade competente analisa a reclamação e decide se deve ou não penalizar o estabelecimento ou instituição.
(Jornal i, Outubro de 2014)