A temática da fraude e evasão fiscal, do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo tem, fruto dos diversos casos mediáticos e escândalos dos últimos anos, envolvendo o sistema financeiro, entidades e individualidades de referência da nossa sociedade, estado na ordem do dia e motivado uma dinâmica generalizada de contestação e combate, patente não só no julgamento dos casos identificados perante os tribunais competentes, mas igualmente e sobretudo, pela discussão e aprovação de novas medidas legislativas preventivas e repressivas, suportadas, em grande parte, pela necessidade de transposição, para o ordenamento jurídico português, da Diretiva (EU) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo.
A promulgação, no passado dia 6 de abril, do Decreto da Assembleia n.º 72/XIII, de 10 de março, que visa a
proibição de emissão de valores mobiliários ao portador e a conversão de valores mobiliários ao portador existentes em valores mobiliários nominativos, consubstancia mais um importante passo nesse combate e que, após publicação em Diário da República, acarretará relevantes alterações ao Código dos Valores Mobiliários e ao Código das Sociedades Comerciais e eliminará parcialmente um dos grandes fatores associados à temática: o anonimato dos titulares desses valores mobiliários ao portador e a opacidade e ocultação inerentes à sua utilização.
As alterações previstas pelo referido decreto consistem, resumidamente:
- na proibição expressa, a partir da data de entrada desse diploma legal, de emissão de valores mobiliários ao portador (passando a ser unicamente possível emitir valores mobiliários nominativos) e
- na obrigação de conversão, num prazo de 6 meses sobre a sua entrada em vigor (e sujeito a regulamentação específica ainda a elaborar pelo Governo), dos valores mobiliários ao portador já existentes em valores mobiliários nominativos, sob pena de, decorrido esse prazo sem realização da conversão, os respetivos titulares ficarem inibidos de os transmitir e de participar na distribuição de resultados associados aos mesmos.
Sem prejuízo das dúvidas que ainda pairam em torno destas medidas legislativas, este diploma reveste, desde já, enorme relevância, significando o primeiro passo para a eliminação definitiva dos valores mobiliários ao portador (de entre os quais se destacam, naturalmente, as ações ao portador) do ordenamento jurídico português e uma medida que, a ser complementada pelas mais recentes iniciativas legislativas nesse âmbito, plasmadas nas Propostas de Lei n.º 71/XIII e n.º 72/XIII (que, respetivamente, visam a criação de um “Registo Central do Beneficiário Efetivo” e preveem diversas obrigações/restrições no âmbito do sistema financeiro e de determinadas atividades e profissões), significa um reforço significativo no combate à fraude e evasão fiscal, ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
A TELLES acompanhará, naturalmente, de perto todos os desenvolvimentos desta temática e, em particular, dos referidos Decreto e Propostas de Lei.
Lisboa, 17 de abril 2017
Mariana Ferreira Martins /
Diogo Damião