EM DEFESA DO MAPA JUDICIÁRIO
Muito se tem dito e escrito contra a reforma do mapa judiciário, principalmente ou sobretudo agora que o sistema informático que suporta a aplicação Citius entrou aparentemente em colapso e não permite aos diversos agentes exercerem as respectivas funções.
Isso, contudo, não deve fazer esquecer as virtudes que porventura a reforma tenha, seja porque as dificuldades informáticas são necessáriamente circunstanciais, seja porque a nossa (portuguesa) tradicional resistência à mudança nunca permitiria que uma reforma destas se fizesse sem que os aspectos negativos fossem sublinhados e os positivos pura e simplesmente esquecidos.
Porque é isso mesmo que se verifica. O leitor ou espectador mais atento, depois de meses e meses de contestação à reforma do mapa judiciário, não se lembra de nenhum aspecto positivo que algum agente da justiça lhe tenha apontado. E não é porque os não haja; é apenas porque os não dizem.
Um dos aspectos em que a crítica tem sido mais feroz é o de a reforma ter implicado o encerramento de diversos tribunais, o que fez afastar as pessoas da Justiça, agravando as diferenças de acesso à Justiça entre, nomeadamente, as populações do litoral e do interior. Mas ninguém refere o outro lado dessa moeda e que, na nossa opinião, constitui um dos mais consistentes factores de coesão territorial e de igualdade de acesso à justiça: a par do encerramento dos tribunais foram criadas instâncias centrais e locais em cada comarca com competência em matéria cível para causas de valor, respectivamente superior ou inferior a 50 mil euros e foram criadas instâncias especializadas em razão da matéria nas diversas comarcas, nomeadamente em matéria laboral e comercial.
Parece evidente que a circunstância de nas diversas comarcas existirem juízos de competência especializada permite que mais pessoas acedam a uma justiça mais qualificada, que é o mesmo que dizer de maior qualidade, promovendo, ao mesmo tempo, a instalação de agentes económicos mais exigentes em comarcas tradicionalmente mais afastadas dos grandes centros urbanos do Porto e de Lisboa por poderem dispor de uma justiça comercial e laboral especializada e de uma justiça cível exercida por profissionais com mais experiência.
Na verdade, porque é que uma empresa sediada nas zonas metropolitanas de Lisboa e do Porto podia dispor de um tribunal especializado para decidir litígios em matéria societária e as empresas ou os sócios de uma empresa sediada numa pequena comarca do interior tinham de contar com um juiz em primeiro acesso, naturalmente sem a experiência conveniente a decidir causas de maior complexidade técnica? Então não haverá aqui um factor de promoção da igualdade no acesso à Justiça e de "deslitoralização" dos agentes económicos? Parece-nos evidente que sim. Mas é preciso que se diga.
(Jornal Público, Setembro de 2014)
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