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Artigos | 2014-10-03

É fundamental recentrar nos lesados o debate público sobre o GES

Qualquer cidadão que tenha acompanhado, com um mínimo de atenção, a crise no GES, apercebe-se de que o foco principal das notícias tem sido a queda da família Espírito Santo. A abordagem tem condicionado o debate público, contribuindo para secundarizar outra parcela fundamental da equação, o enorme grupo de clientes que foi gravemente lesado por ter confiado os seus investimentos e as suas poupanças ao Banque Privée Espírito Santo e no BES.

Não pretendo aligeirar as responsabilidades que recaem sobre a família Espírito Santo ou sobre a Administração do BPES, que são reais e que devem ser integralmente apuradas. Para que tal aconteça, existem questões do foro técnico e outras de ordem ética para ser esclarecidas. Não posso, contudo, permitir - como advogado e como cidadão - que se minimizem as perdas sofridas por pessoas que viram traída a confiança depositada, em muitos casos durante décadas, num nome e numa marca.

Nesse sentido, é fundamental recentar o debate.

Escrutinar, como tenho visto e lido,  qual o futuro da Família Espírito Santo, quantos anos necessitará para recuperar, quantos são os seus ramos e quais as divergências entre eles, quantas são as demissões nas diferentes sociedades do GES, não deixando de ser interessante para algum público, não é, nem de perto nem de longe, nuclear para se chegar à verdade. Nem contribui para que se faça justiça às vítimas. Urge, assim, dar particular atenção às perguntas que passo a colocar e que os lesados merecem ver respondidas.

Que juízo pode fazer-se relativamente a quem, sabendo das auditorias promovidas pelo Banco de Portugal, da falta de contabilização de mais de um bilião de euros de dívida numa sociedade e da falta de assertividade das contas, continuou a colocar, ao longo do primeiro semestre de 2014, dívida da ESI na carteira de clientes, com a agravante de ter, nos últimos meses, refinado as cláusulas contratuais, procurando dessa forma responsabilizar os clientes por tais aplicações, promovendo a assinatura de documentos nos quais os mesmos declaram conhecer e aceitar o risco de insolvência da devedora?

Serão estes actos aceitáveis, sobretudo quando se sabe terem lesado pessoas que, em muitos casos, estão na fase final das suas vidas, com pouco grau de sofisticação financeira e que, como a esmagadora maioria de nós, não lêem os textos infindáveis dos documentos de abertura de contas, escritos com caracteres minúsculos? Não quero fazer nem faço julgamentos, porque não é esse o meu papel, mas gostaria, e estou certo de que os lesados também, de obter respostas claras.

Sempre na óptica dos cidadãos lesados, os mesmos que, enquanto advogado, decidi patrocinar, acrescento outras perguntas.

- Qual é o valor total da dívida das sociedades Espírito Santo Internacional e Rioforte colocado nas carteiras de clientes do BES e da Banque Privée Espírito Santo?

- Existe noção de quantos clientes do Banque Privée Espírito Santo têm as suas carteiras quase totalmente aplicadas em dívida do Grupo Espírito Santo? Que juízo merece uma instituição que não respeita o princípio da diversidade dos activos de uma carteira?

- Porque razão se aceitaram fazer provisões para assegurar clientes do BES, relativamente a aplicações em dívida do Grupo Espírito Santo, não tendo adoptado o mesmo procedimento relativamente a clientes do Banque Privée Espírito Santo, que mereceriam exactamente a mesma protecção e idêntico respeito?

- Porque razão a queda não foi travada mais cedo, minimizando-se perdas e danos?

Será fundamental que, nos próximos dias, o debate público sobre o GES coloque no papel principal as maiores vítimas desta crise, os clientes lesados pelo Banque Privée Espírito Santo.

 
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