Conhecimento

Artigos

Artigos | 2015-11-25

Os direitos do dono da obra no contrato de empreitada.

Das exigências da prática e das perspectivas jurisprudenciais


Determina a lei, nos artigos 1218.º e seguintes do Código Civil, que os defeitos (Vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao estado material, desconformidades com o contratualmente estabelecido ou com o que legitimamente for esperado pelo dono da obra) existentes em obra contratada, no âmbito de um contrato de empreitada, devem ser denunciados pelo dono da obra ao empreiteiro, tendo aquele o direito de exigir deste a respectiva eliminação.
Acontece que, não raras vezes, mesmo após a interpelação do empreiteiro para a eliminação dos defeitos num prazo razoável, aquele não procede a quaisquer obras ou, tão pouco, responde à comunicação que lhe foi dirigida. Quid iuris?


 

Tem sido entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que a não eliminação dos defeitos pelo empreiteiro não confere ao dono da obra o direito de por si, ou por intermédio de terceiro, eliminar esses mesmos defeitos e, nessa medida, peticionar o pagamento dos valores a despender ou já despendidos com esses trabalhos ao empreiteiro. O dono da obra, como credor de uma prestação de facto fungível, para obter o pretendido efeito, tem, assim, de percorrer o iter sequencial previsto pela lei, i.e., recorrer à via judicial, obtendo a condenação do empreiteiro nessa eliminação e, em caso de incumprimento da sentença, requerer, em subsequente execução, o cumprimento da obrigação por terceiro à custa do empreiteiro (art.º 828.º do Código Civil).
Este entendimento radica na análise da letra da actual lei, tendo o legislador se afastado da redacção do n.º 3 do art.º 18.º do Anteprojecto do Código Civil de Vaz Serra, o qual referia: “3. Se o empreiteiro se constituir em mora de eliminar os defeitos da obra, pode o dono proceder a essa eliminação e reclamar indemnização das despesas necessárias.”
Excepção à regra quando estamos perante defeitos que reclamem reparações objectivamente urgentes, prementes ou necessárias, caso em que é admitido ao dono da obra agir motu proprio, com base nos princípios da acção directa ou do estado de necessidade (art.ºs 336.º e 339.º do Código Civil), e eliminar os defeitos e reclamar os respectivos valores ao empreiteiro.
A título exemplificativo, poderá ser encontrada esta posição no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.07.2010, disponível em www.dgsi.pt.

Não obstante a explicitada corrente maioritária e a letra da lei, têm vindo a destacar-se vozes dissonantes, as quais partilham de um entendimento divergente que assenta numa interpretação teleológica das normas legais. É este, aliás e em termos de direito comparado, o entendimento perfilhado pela lei Alemã e pela jurisprudência Suíça e Italiana.
A exigência legal do envio da comunicação dos defeitos ao empreiteiro e a concessão de um prazo razoável pelo dono da obra para a respectiva eliminação, têm como objectivo proteger o direito de o empreiteiro dispor da oportunidade de corrigir a sua prestação, evitando uma substituição arbitrária desse empreiteiro pelo dono da obra. O empreiteiro, melhor do que qualquer terceiro, possui a legis artis e o conhecimento concreto da obra, encontrando-se na melhor posição para eliminar os defeitos a que ele próprio deu causa. Acresce que, poderá eliminar os defeitos com custos seguramente mais reduzidos do que aqueles que seriam suportados pela actuação de um terceiro.
Ora, tendo-lhe sido conferida a mencionada possibilidade, e não tendo o empreiteiro, no prazo razoável concedido, efectuado a reparação dos defeitos que se lhe impunha, é legítimo concluir que se encontra precludida, por culpa própria, a possibilidade e a benesse que a lei lhe pretendeu conceder.

O que equivale a significar que se o empreiteiro se constituir em mora na eliminação dos defeitos, o dono da obra adquire o direito de efectuar a eliminação e exigir o reembolso das despesas efectuadas, tal como tem vindo a ser defendido por alguns arestos de tribunais superiores, fundados no referido n.º 3 do art.º 18.º do Anteprojecto de Vaz Serra.
Com efeito, não pode ser exigível ao dono da obra que após a interpelação do empreiteiro para eliminar os defeitos, tenha que esperar indefinidamente ou recorrer à via judicial, com toda a morosidade que isso implica, para exercer um direito correspondente a uma obrigação que o empreiteiro não cumpriu porque, tão simplesmente, não quis.

Os direitos do empreiteiro não merecem nem mais nem menos tutela do que os do dono da obra, pelo que o monopólio da eliminação dos defeitos pelo empreiteiro não pode ser absoluto. No quadro circunstancial que analisamos e por um princípio de boa-fé deve exigir-se a interpelação do empreiteiro para reparar os defeitos, concedendo-lhe um prazo razoável para o efeito. Todavia, decorrido o prazo sem que os defeitos tenham sido eliminados, seja por recusa expressa ou por atraso reiterado do empreiteiro, por uma questão de justiça material e de equilíbrio de direitos, deverá o dono da obra poder proceder à reparação dos defeitos, motu proprio ou através de terceiro, reclamando o pagamento do valor das inerentes despesas ao empreiteiro.
 
Este entendimento pode ser efectivamente encontrado em algumas decisões dos tribunais, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06.07.2010, disponível em www.dgsi.pt.
Esta é a solução que, no nosso entendimento, é a mais consentânea com uma verdadeira justiça material, servindo a realização das exigências da prática quotidiana, nomeadamente face à reconhecida aguda crise que afecta o sector da construção civil, devendo ser, por tal motivo e com toda a actualidade, no plano do direito a constituir, expressamente adoptada pela lei.
voltar a Tellex

Subscrever Tellex

Dados Pessoais

Áreas de Prática

Reconhecimentos

Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.